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A exclusão de agricultores ao acesso do cultivo da terra faz parte, tristemente, da história universal e, via de regra, caracteriza-se como o resultado de um processo de acumulação. Como a terra é bem natural estanque, que não aumenta nem diminuiu, a sua acumulação por parte de alguns produz como consequência necessária a retirada arbitrária, inclusive a ferro e fogo, de tantos outros, embora sob o manto da legalidade.

Entre as várias fases de exclusão de pequenos agricultores do uso da terra, uma delas, ocorrida aqui nas Missões – e datada do sec. XIX, é emblemática porque se relaciona com um símbolo cultural e econômico sul-rio-grandense: a erva-mate.

 Conforme a narrativa de Teresa Neumann de Souza Christensen, em História do Rio Grande do Sul em Suas Origens Missioneiros (2001), encerrada a Guerra Guaranítica e expulsos os jesuítas pelos reis de Portugal e de Espanha, o território missioneiro, logo mais adiante, foi anexado à capitania do Rio Grande de São Pedro, integrando-se ao espaço colonial português.

O planejamento português para a região das Missões, depois de sua incorporação efetiva, que ocorreu por idos de 1801, era transformá-la numa área de expansão para criação de gado, utilizando como mão-de-obra os índios remanescentes.

No entanto, foi a extração e o comércio da erva-mate e da madeira que, três décadas depois, já no Brasil Império e pouco antes da Revolução Farroupilha, atraiu contingente de pessoas para a região missioneira, formando latifúndios isolados, sem povoamento.

As plantações de erva-mate, agora exploradas por nacionais, eram os ervais nativos abandonadas pelos índios missioneiros reduzidos depois da derrota frente aos espanhóis e portugueses. E sua utilização não foi retomada em data anterior muito em função da agressividade dos índios Coroados, que habitavam as matas do Alto Uruguai. Esses índios ofereceram resistência por quase dez longos anos.

Com o curso da Revolução Farroupilha, iniciada em 1835, o repovoamento do território missioneiro se avolumou. Muitas famílias que se encontravam próximas do palco de peleias, optaram por ambiente menos conturbado na costa do Rio Uruguai, preferencialmente nos ervais abandonados de Santo Cristo e Santa Rosa.

Registre-se que em 1836, na ocasião da proclamação da República Rio-Grandense, grande parte da região missioneira integrava o território brasileiro, sendo administrada pelo governo imperial do Rio Grande de São Pedro.

Dessa forma, boa fração dos ervais missioneiros, localizados a certa distância das refregas farrapas, passou a produzir erva-mate e aglutinar gente. Para se ter uma ideia, em 1870, no auge da economia ervateira, a região missioneira já contava com cerca de 170 mil habitantes, enquanto que nas missões argentinas o contingente populacional não alcança 35 mil.

A questão fundiária teve marco regulatório importante em 1850, com a “Lei de Terras”. Esse estatuto legal definia que as terras devolutas passavam a ser do governo, sendo então alienadas a particulares.

Ocorre que até então parte dos ervais eram de uso comum, públicos. Como havia inicialmente fartura de terras, os latifundiários e pequenos agricultores missioneiros, esses últimos denominados ervateiros, mantinham confrontos esporádicos.

Importante registro: os ervateiros trabalhavam nos ervais nos meses frios; no verão, dedicavam-se ao cultivo de grãos em roças, para subsistência.

No entanto, na medida em que a erva-mate ia tomando corpo na economia regional e nacional, bem como o relativo povoamento da região se consolidava, as tensões entre ervateiros e latifundiários se exacerbaram. Assim, o ervateiro acabou sendo vítima do sucesso do seu empreendimento extrativista, que atraiu terceiros dispostos a explorar os ervais.

Com a Lei de Terras, as áreas de uso comum foram estatizadas e imediatamente privatizadas, sendo que boa fração delas foram transferidas às mãos de latifundiários. Esse processo de concentração da propriedade agrária e de exclusão social, engendrado pelo governo imperial brasileiro, expulsou grande fatia de pequenos agricultores das roças e ervais missioneiros, forçando-os a migrarem para terras sem condições de cultivo. Temos aí os sem-terra dos ervais missioneiros.

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