
Leio no Conjur texto do juiz do Trabalho Otávio Torres Calvet, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP e presidente da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho, festejando recente decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADC 66, que declarou a constitucionalidade do art. 129, da Lei 11.196/2005, sendo que uma das consequências possíveis é o sepultamento da presunção da relação de emprego (acesse o texto clicando aqui).
Vou contextualizar. Seguidas decisões da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal têm afastado a aplicação do dispositivo (art. 129, da Lei 11.196/2005), sob o fundamento (a meu ver acertado) de que as empresas burlam o Fisco e flexibilizam normas trabalhistas por meio da chamada “pejotização”. Para combater estas decisões, a Confederação Nacional da Comunicação Social ajuizou a ADC 66, logrando êxito.
Embora o dispositivo em questão trate precipuamente de um tema tributário, a fundamentação da decisão do STF sinaliza a legitimação da chamada “pejotização”, cuja finalidade, todos sabem, é precarizar as relações de emprego.
O articulista Calvet esclarece que a decisão não afeta o princípio da primazia da realidade. Ou seja, se a contratação da pessoa jurídica é uma fraude que busca mascarar uma relação de emprego, a Especializada vai reconhecer o vínculo celetista e assegurar o “contrato mínimo” previsto na CLT.
No entanto, segundo o entendimento de Calvet, algo mudou. O articulista esclarece que a decisão do STF:
“(…) indica que, nas ações em que se alegue fraude no uso de pessoas jurídicas ou em outras novas formas de organização do trabalho humano, não há de se presumir a referida ilicitude e, portanto, inviável a distribuição do ônus da prova a favor do trabalhador”.
Desse modo, não vai mais bastar ao trabalhador provar que laborou para o empregador – fato que se demonstrado acionava a presunção de emprego. Também terá de comprovar a fraude, uma tarefa hercúlea.
Portanto, se o trabalhador alegar em juízo que a sua pejotização foi uma fraude, exigência para poder vender a sua mão-de-obra com custo menor para a empresa contratante, não será mais incumbência do empregador provar a inexistência da ilicitude, ainda que o labor prestado seja incontroverso.
Com a decisão, o STF legitima – diz que a nossa Constituição autoriza – o aprofundamento da precarização das relações de trabalho, uma resultante da “liberdade econômica”, valor que se hegemoniza.
Mas liberdade econômica para quem? Para os assalariados, que só tem a sua mão-de-obra e trabalho intelectual para vender? Evidentemente que não! Quem vende e quem compra a mão-de-obra não são iguais (materialmente). Quem compra a mão-de-obra, via de regra, tem poder econômico e político! E na execução do contrato, tem poder hierárquico. Não é uma relação entre pessoas com o mesmo grau de liberdade e de necessidade!
Ainda que se crie um regime jurídico que transforme todos assalariados em pessoas jurídicas, nada vai mudar o fato material e social de que estes pejotizados vendem a sua mão-de-obra e que seu labor gera mais valia, operação que “valoriza” o Capital. Estes trabalhadores, ainda que pejotizados, não são donos dos meios de produção – e nem chegarão a tal condição!
Ora, a balança da Justiça, seguindo o que já ocorre com os outros dois poderes da República, vai abandonando a defesa dos direitos sociais, em especial os trabalhistas, para permitir que a crise econômica (mundial) não afete o Capital, o que faz assegurando mecanismos para sua “valorização”, que se dá pelo aumento da extração da mais valia (e, indiretamente, pela desvalorização do próprio trabalho “improdutivo”, ou seja, aquele que não valoriza imediatamente o Capital).
Isso traz uma mudança de configuração no Estado, que de bem-estar social, estabelecido pela Constituição Federal Cidadã de 88, transita para o puramente liberal, mais ao gosto da formação social e econômica capitalista vigente.
É a forma jurídica, superestrutural, amoldando-se à base econômica, diria Marx se vivo fosse.
O Dr. Calvet comemora o caminho que se percorre. Argumenta que se trata de um avanço e que isso trará “(…) uma nova regulamentação do trabalho humano que atenda aos interesses sociais e econômicos (…)”, situação que vai permitir evolução “(…) nos compromissos constitucionais de erradicação da pobreza e redução da desigualdade social, construindo uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos (…)”!
Não sei em que mundo vive o Dr. Calvet. Mas aqui na vida real, a reforma trabalhista não trouxe os empregos prometidos, só ceifou direitos dos assalariados, aumentou a fome, a pobreza e as desigualdades sociais. O “bem de todos”, no momento, é reduzido ao bem dos endinheirados, dos donos dos meios de produção e de uma classe pequeno-burguesa que, em sua maioria, reflete as ideias da classe dominante sobre os direitos trabalhistas (e sociais), assegurando sua hegemonia cultural.