Tenho acompanhado cronistas preocupados com a força eleitoral de Bolsonaro e com a possibilidade concreta de sua eleição à presidência da República. De lambuja, seguindo o modismo nacional, responsabilizam de algum modo o Partido dos Trabalhadores. No caso, imputa-se ao PT uma conduta de imobilidade no combate ao movimento fascista, perdido em outras pautas menores ou equivocadas.
Claro que a situação é grave. Com a vitória de Bolsonaro, teríamos uma experiência insólita por aqui (até onde eu sei, mas me socorram os historiadores): a ascensão de um fascista ao poder pelo voto popular. E de uma fascista medíocre, capaz de envergonhar o Il Duce.
Como se sabe, o fascismo historicamente tem sua base social na pequena burguesia (e na lúmpen-burguesia) e, tristemente, nos setores mais atrasados da classe operária. Já a base financeira, ou seja, quem dá o dinheiro que sustenta seus líderes, é formada por alguns grandes capitalistas (quando o fascismo alcança o poder, essa base aumenta).
Triste perspectiva. Não somente da vitória de Bolsonaro, mas de todo o mal que um governo desse perfil produziria para a democracia e para o mundo do trabalho. Ou alguém tem conhecimento da existência de governo fascista que tenha se preocupado com regras democráticas ou melhoria das condições de vida de assalariados, marginalizados ou minorias? Sem levar em conta que Bolsonaro é um completo despreparado.
Notem que uma eventual opção eleitoral por Bolsonaro vai escancarar um fato trágico: uma maioria de brasileiros, no exercício de sua capacidade eleitoral passiva, optou pela truculência como forma de enfrentar a crise política e econômica. Mais! São pessoas dispostas a abrir mão de sua participação direta e, mais grave, alienar parte de seus direitos civis em favor de uma gestão autoritária!
Mas há algo que falta nas análises que tenho lido. Algumas delas culpam o PT pelo crescimento de Bolsonaro. Marcos Rolim, por exemplo, atestou como um dos equívocos do partido da estrela ao fato de sua militância bater em Ciro e em Marina e identificar nos tucanos seu inimigo central, além de supostamente o PT perder tempo colhendo assinaturas no Congresso para uma CPI das delações premiadas (acesse aqui a crônica do Marcos Rolim).
Tudo que Rolim reclama tem um certo sentido, não nego. E evidentemente que o PT, por alguns de seus dirigentes e quadros do “alto clero”, cometeu os erros. Mas imputar ao partido presidido pela Gleisi Hoffmann – e em especial à sua militância – o crescimento da candidatura do Bolsonaro é algo, no mínimo, curioso.
Primeiro importa considerar, num âmbito mais geral, que o Bolsonaro surfa numa onda conservadora mundial com origem no aprofundamento da atual crise do capitalismo (bolha imobiliária nos EUA foi o sintoma mais perceptível). Aliás, esse fenômeno tem se repetido no curso das crises cíclicas da formação social e econômica capitalista. Sempre que a turbulência afeta o sistema de acúmulo de capital, fração da classe capitalista dominante vai construindo uma atmosfera favorável às “soluções” pela força, cujo discurso de justificativa é a preservação “do livre mercado, da propriedade, da moral e da família” daquilo que definem como “ameaça comunista”.
Depois, levando em conta os últimos acontecimentos políticos aqui no Brasil, Bolsonaro só tem perspectivas reais de vitória eleitoral a partir do momento em que colocaram Lula na masmorra, sem provas e sem trânsito em julgado.
O afastamento de Lula do páreo – situação que ainda está em “disputa” – é uma opção da elite econômica – e de seus representantes no Estado -, que aparentemente não se importa com a possibilidade de o fascismo aninhar-se no poder.
Por fim, não se pode esquecer que a Caixa de Pandora foi aberta bem antes, quando a maioria do Parlamento – ação legitimada por setores do Poder Judiciário e pela grande mídia empresarial – depôs a presidenta Dilma, eleita pelo voto popular, afastando-a por um crime que não cometeu. Ali se deu o fato fundante da quebra das regras democráticas e do comprometimento “da normalidade das instituições”, abrindo o portal dos infernos para espíritos golpistas e fascistas.
A partir do golpe parlamentar, o imperialismo norte-americano, com seus associados locais, estimulou uma extrema-direita brasileira raivosa, de corte fascista. A partir de um sinal verde das intuições que “funcionam dentro da normalidade” (vide, por exemplo, o grampo ilegal e criminoso do Moro em conversas mantidas entre Dilma, presidenta da República, e Lula, entregue pelo juiz à Rede Globo, sendo que nada lhe acontecesse), os fascistas sentiram-se à vontade para agir e granjear apoio.
O PT, como maior partido de esquerda do Brasil, tem sim a responsabilidade de capitanear a luta contra o fascismo, não pode se esconder na passividade. Mas essa luta não se resume ao enfrentamento do Bolsonaro, que não passa de um agente catalizador. Nem há como combater a ascensão fascista sem denunciar o golpe contra Dilma e a prisão injusta de Lula, porque esses dois movimentos contrários à democracia e ao Estado Democrático de Direito foram, em larga medida, “fundantes” do fascismo que agora se ergue ameaçador.
Esquecer-se do Lula no cárcere é, para mim, uma forma de compactuar com um tipo dissimulado de fascismo, praticado por aqueles que o colocaram lá.