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NOTAS SOBRE POLÍTICA E CIDADANIA

Crônica publicada no Jornal A Notícia, edição de 18NOV2022

Foto: reprodução CNN

Diante da não aceitação do resultado das urnas, alguns simpatizantes de Jair Bolsonaro, em prosseguimento aos atos antidemocráticos que já ocorriam anteriormente às eleições, bloquearam rodovias e foram para a frente dos quartéis atacar as urnas eletrônicas, o TSE e o STF, além de reclamar uma intervenção militar e a ruptura do Estado de Direito.

Os “manifestantes”, curiosamente, só denunciaram (sem provas) fraude nas urnas eletrônicas em relação àquela fração do pleito em que foram derrotados pelo voto popular. Este mesmo sistema de votação é considerado legítimo quando se trata da eleição de deputados, senadores e governadores por eles apoiados.

Possivelmente a percepção equivocada destas pessoas no sentido de a militarização, na República, ser aceitável, até desejável, tem assento em eventos passados. Nosso República, proclamada em 15 de novembro de 1889, foi gestada no Clube Militar, por um grupo de militares com ideais positivistas, sonho de industrialização e porta-voz da classe média urbana, mas que, para enfrentar o Império, por necessidade da conjuntura, aliou-se com o “agro” da época, latifundiários de lavouras exportadoras (café), que não queriam nem falar em industrializar o Brasil, conforme leciona Jucemir Rocha, no livro Brasil em Três Tempos (FTB, 2000).

Por isso, para muitos, o primeiro golpe de Estado na República foi aquele que deu azo à sua própria criação. Um vício fundante de trágicas consequências – até os nossos dias!

Na sequência da República, a quase totalidade das rupturas da ordem democrática contaram com a presença militar, como por exemplo o golpe civil-militar de 1964, mediante a deposição do presidente constitucional João Goulart, que ocorreu em 1º de abril daquele ano.

Natália Viana, premiada jornalista, bolsista da Fundação Nieman, em Harvard, e membro do Conselho Assessor do Centro para a Integridade de Mídia da OEA, no livro Dano Colateral: a intervenção dos militares na segurança pública (Objetiva, 2021), estuda a participação militar brasileira em missão no Haiti (2004 a 2017) e várias operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ocorridas na década passada, sobretudo no Rio de Janeiro, concluindo que não é bom para a saúde da democracia a presença de militares atuando em postos governamentais que deveriam ser ocupados por civis.

É equivocado pensar que Viana menospreza as Forças Armadas ou desconsidera o seu papel constitucional de proteger o território nacional contra eventual ameaça externa. Apenas percebe o óbvio: que os militares, em qualquer lugar do mundo, são profissionais treinados numa lógica hierarquizada, pautada pela disciplina e para o uso das armas e da violência, o oposto do que se exige na atuação em instituições democráticas.

Além disso, Viana esclarece que, no caso brasileiro, há problemas de “doutrina e ensinamento em nossas Forças Armadas”, até porque “os jovens militares aprendem que dar um golpe de Estado é justificável”. Essa circunstância “pedagógica”, de não se observar as regras do jogo democrático, se a conveniência assim exigir, e dar legitimidade a um regime de exceção e força, com supressão das liberdades e garantias individuais e dos direitos políticos, é mais um motivo que torna perigosa, para a democracia, a presença de militares em governos. Mais grave se a participação é produto de um golpe de Estado, ainda que disfarçado de “revolução”.

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