
Os aloprados que, em 8 de janeiro, invadiram e depredaram os prédios dos Poderes da República serão submetidos ao devido processo legal e, ao final, havendo provas do seus atos (e elas existem às escâncaras), serão duramente responsabilizados, não há dúvida disso. Conforme esclarecido por juristas de renomes, a exemplo de Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e da FGV-SP, há claros indícios de cometimento de crimes como o de dano ao patrimônio público, organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ato terrorista. Caso condenados, os golpistas-terroristas cumprirão muito tempo na prisão. E ainda serão responsabilizados civilmente pelo prejuízo causado ao patrimônio do povo brasileiro.
Mas não sejamos ingênuos. Estes são peixes pequenos. Há muito tubarão por traz desse ato golpista, cujo planejado sequer é recente.
O premiado jornalista Luis Nassif atesta, com argumentos sólidos, que o artífice principal da tentativa frustrada de golpe veste verde-oliva (sem prejuízo de outros autores). Para Nassif, é inconteste a presença da inteligência militar na guerra híbrida que produziu Bolsonaro como “mito” e viabilizou sua vitória eleitoral no pleito anterior. Segundo o jornalista, é impossível que a estratégia sofisticada colocada em curso há muitos anos tenha saído da cabeça de Carlos Bolsonaro, como defendem alguns.
Na análise de Nassif, a base ideológica empregada pelos militares golpistas foi aquela produzida pela ultra direita americana e nos livros do general Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, falecido em 2011. No entanto, o “gatilho” do ativismo militar que redundou no 8 de janeiro foi Sérgio Moro e a Lava Jato, que trouxe à cena a atuação destacada do general Villas Boas.
Nassif, na sequência de sua pesquisa, arrola diversas iniciativas preparatórias à tentativa de golpe (caso Lula fosse vitorioso), que tem a presença militar: (i) o questionamento das urnas eletrônicas pelo Exército; (ii) a montagem de acampamentos em regiões sob comando do Exército, com a participação de familiares de militares; (iii) articulação nacional com financiadores, viabilizando um modelo padrão de financiamento dos acampamentos; (iv) pacto entre militares e organizações criminosas (atuam no garimpo), CACs e “pessoal barra pesada” de todos os cantos do país, que foram acolhidos e protegidos para acamparem em território do Exército, misturando-os com crianças e velhos, a fim de constranger qualquer reação das autoridades civis.
Obviamente que o objetivo do ato do dia 8 de janeiro, na leitura de Nassif, passava por guiar a massa ignara dos acampamentos na invasão dos Três Poderes, provocar quebra-quebra e violência, ao ponto de justificar uma operação da Garantia da Lei e da Ordem, entregando a cadeia de comando aos militares. Daí era um pequeno passo para concretizar o golpe.
Não fosse o caminho de intervenção civil adotado pelo governo Lula no 8 de janeiro, que fechou as portas para uma operação de GLO, talvez esta coluna não pudesse ser publicada!
Na ótica de Nassif, ao depois da tentativa frustrada de golpe, os militares ainda atuaram dando guarida aos invasores, tanto no Palácio como, mais adiante, nos acampamentos, impedindo a entrada da Polícia Federal – até que muitos dos terroristas fugassem.
Como bem observa o jornalista, o Alto Comando não soltou uma nota sequer condenando os terroristas. Na invasão do Capitólio, por exemplo, as Forças Armadas norte-americanas manifestaram-se em favor da democracia e contra os atos terroristas e golpistas do trumpismo.
Ao término de sua análise, Nassif conclui que a circunstância de o golpe não obter êxito demonstra que os conspiradores militares não tem plena hegemonia, havendo militares dissidentes.