
Marcos Rolim, em “A Atualidade dos Direito Humanos”, sinalou que Cornelius Castoriadis estava certo ao constatar o seguinte:
“(…) a vitória do ocidente ao final deste milênio foi, antes, a vitória da televisão, dos jipes e das metralhadoras, do que a vitória do habeas-corpus, da soberania popular e da responsabilidade do cidadão”.
Tenho observado, com horror, pessoas nas redes sociais e, mais recentemente, na frente dos quarteis, defendendo intervenção militar, além de atacar os Direitos Humanos.
Não é de agora, claro, que se vê aloprados atuando em defesa de medidas autoritárias e violentas como solução para os problemas econômicos e sociais do país. Partidários do uso da força e da violência, apoiando ações ilegais de agentes do Estado contra os movimentos sindical e social, sempre dão ar de sua graça. Ataques contra crianças e adolescentes, mulheres, pretos, pobres, homossexuais e minorias são vetustos. No entanto, há uma intensificação na defesa ideológica destas condutas ao ponto de cristalizar uma perigosa “nova normalidade”.
O mote utilizado: “direitos humanos para humanos direitos”. Uma frase tola, já que não há como conceber que os Direitos Humanos – os direitos de todos os humanos, portanto universais – possam ser aplicados seletivamente, de forma exclusiva para os que são “direitos”, as “pessoas de bem”.
Somente uma sociedade separada por classes sociais e patriarcal concebe, sem qualquer remorso, que determinados direitos devam ser exercidos com exclusividade pelo estamento da cobertura ou pelo patriarca. Ou que aceite o sofrimento – quiçá a morte – de pessoas como política pública com vistas à higienização social!
Uma fração significativa de pessoas que se volta contra a plataforma dos Direitos Humanos o faz por conta de uma visão elitista e preconceituosa. Cada direito é privilégio seu, de sua classe, por isso não pode pertencer aos demais, essa partilha representa uma ameaça. São os “humanos direitos” reivindicando, na verdade, a exclusividade sobre os Direitos Humanos, que passam a ser seus por suposto mérito.
Mas há outros tantos que reproduzem o discurso de privilégio, de dominação e de ódio sem sequer compreender o que sejam os Direitos Humanos e o impacto deles (ou da falta deles) em suas vidas. Pior, ignoram que estão “fazendo gol contra”, ou seja, lutando contra os seus próprios direitos, os direitos de seus entes familiares, dos colegas de trabalho, dos vizinhos do bairro e da classe social a que pertencem. São contra o devido processo legal, o 13º salário, uma remuneração digna, o direito de greve, o acesso universal à saúde, os programas de inclusão social, as vacinas, a educação gratuita e de qualidade, uma renda básica, a democracia e suas instituições, etc.
A visão de Direitos Humanos para os “humanos direitos” se enquadra na crítica de Karl Marx, registrada no ensaio “A Questão Judaica”, em relação à proclamação dos Direitos do Homem, porque “apenas materializava a cisão, típica das sociedades burguesas, entre o Homem e o Cidadão”. Marx observou, na ocasião, que “os direitos do homem, direitos do membro da sociedade burguesa, são apenas os direitos do homem egoísta, do homem separado do homem e da coletividade”.
Claro que a crítica elaborada por Marx não se dirige aos Direitos Humanos como conhecemos hoje, formados pelos direitos de liberdade (civis e políticos), mas que compreendem também a sucessão de diversas “gerações” de direitos do homem, no caso, os direitos de igualdade (econômicos, sociais e culturais) e os direitos coletivos (de solidariedade e fraternidade), frutos da luta concreta dos marginalizados, que conformam uma plataforma revestida de universalidade.
No fundo, Marx já antecipou o debate de que não é legítimo a fixação de direitos somente para uma classe social. Ou é para todos humanos, universal, sem estamentos, ou não se trata de Direitos Humanos!