
Lula não teme a eclésia!
Há pouco mais de um mês, o jornal El País, versão on line, veiculou matéria com o título “Alckmin encara o dilema você não gosta de mim, mas o mercado gosta”, escrita pelo jornalista Rodolfo Borges, revelando que o mercado prevê que a eventual vitória de Geraldo Alckmin (PSDB) na eleição deste ano alavancaria o índice Ibovespa e acalmaria o dólar, um cenário considerado perfeito para o mercado.
Um detalhe: só faltou combinar com os russos, ou seja, com o povo, já que o tucano não vai bem nas pesquisas e setores do PSDB pensam em substituí-lo por Dória.
Para além dos infortúnios dos tucanos, o que pontuo aqui para o debate é uma constatação um tanto quanto óbvia: na formação social e econômica capitalista o mundo do trabalho, a esfera dos excluídos e a cidadania em geral não têm qualquer relevância, funcionam como meros acessórios para os propósitos do mercado, esse sujeito imaterial (é meio, instrumento, portanto), e ao acúmulo de capital.
Nas análises disponibilizadas pela grande mídia empresarial, que ponderam as raízes e saídas da crise política e econômica, é comum apresentar a vontade dos mercados como critério referencial. Ou seja, tudo passa pelos humores das relações de oferta e procura, operadas pelos mercados (principalmente pelo mercado financeiro, na oferta de crédito a juros).
Assim, o trabalhador é coisificado duplamente, primeiro quando reduzido a mero “vendedor” de mão de obra (gerador de mais valia), depois quando visto como consumidor, que tem alguma utilidade para os mercados ao se mover para o consumo de mercadorias. E os excluídos, aqueles que sequer têm um emprego e renda, bom esses são res nullis, nada importam, só estorvam os mercados, já que o Estado vai gastar dinheiro dos contribuintes para executar programas sociais de inclusão, o que pode, em momentos de crise, embaraçar o pagamento de juros da dívida pública ou da “bolsa-empresário”.
Assim, no atual estágio do capitalismo, a política vai completamente subordinada aos mercados. O poder econômico é hegemônico em relação ao poder político.
Na perspectiva do mercado hegemônico, os não proprietários dos meios de produção são vistos como mão de obra barata ou como consumidores, não como cidadãos. Luta-se pelas mercadorias e não pelos seus produtores. Boa parte dos políticos no Legislativo e no Executivo não representam seus eleitores, mas devem explicações aos mercados (seus financiadores de campanha).
O mesmo fenômeno da hegemonia do poder econômico pode ser notado em setores do Poder Judiciário, o que explica, por exemplo, o voto do min. Barroso na ação ajuizada pela PGR contra reforma trabalhista, em que claramente o magistrado faz um discurso preocupado com o mercado empregador – e não com os que vendem a sua mão de obra em troca de salários, como se a causa pelo grande número de litígios trabalhistas não fosse o descumprimento da lei em desfavor do trabalhador.
Aliás, permitam um parêntese sobre os dizeres de Barroso. Pois o ministro, em maio de 2017, em evento no Reino Unido, disse em uma entrevista que “o Brasil, com 2% da população mundial, gera mais ações trabalhistas que os restantes 98% do mundo” (ver aqui). A afirmação do “guardião da Constituição”, todavia, não passou de uma vergonhosa gafe (ver aqui).
Trata-se, assim, de um cenário que ignora a ágara (a esfera pública), espaço no qual os cidadãos reúnem-se em eclésia (assembleia do povo), o meio próprio da cidadania que debate e se põe em movimento (não confundir com opinião pública, muito menos com opinião publicada).
Talvez esteja enganado, mas percebo no mundo inteiro – e aqui no Brasil, também – que a ágara pulsa, tem vida, vida humana e inquietante! O mundo do trabalho e os excluídos, ainda que de forma fragmentada, tem aparecido na ágara, mostrando sua cara e lutando pelos seus direitos, ainda que timidamente (e geralmente reprimidos de forma violenta pela polícia). São lutas sindicais, dos sem-terra, dos sem-teto, dos despossuídos e dos diversos movimentos populares.
Lula, que não tem medo da eclésia, está encarcerado sem provas, preso político. Não tenho qualquer dúvida: a prisão do maior líder popular sul-americano é produto de uma exigência do mercado internacional, ainda que a maioria do povo brasileiro queira Lula presidente da República.
Certamente a cidadania está dispersa, fragmentada, resultado do mundo pós-moderno em que vivemos, um sub produto do atual estágio da formação social e econômica capitalista. Mas não sucumbiu.
De qualquer sorte, os mercados não tem legitimidade para ditar regras para a cidadania, aviltá-la e, por fim, domesticá-la. Isso é inaceitável, já temos acúmulo democrática para reagir!
Mesmo a democracia representativa, em profunda crise, tem mais legitimidade dos que os mercados para o exercício do poder político.
Todo poder legítimo emana do povo, não dos mercados e de seus reais senhores, os donos do capital.