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NOTAS SOBRE POLÍTICA E CIDADANIA

Não é de hoje que a Organização das Nações Unidas reclamam à comunidade internacional, em relatórios fundamentados, que centenas de escolas públicas brasileiras não seguem os preceitos do caráter laico do Estado e obrigam seus alunos à acompanhar aulas de ensino religioso (ver aqui).

Registro que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4439, cujo objeto era a análise sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas, por maioria apertada (6×5), com voto de minerva da então Presidente, Ministra Cármen Lúcia, decidiu que o art. 210, §1º, da Constituição deve ser interpretado como permitindo o ensino religioso confessional nas escolas públicas, desde que deforma facultativa e plural (faltou ao STF dar a fórmula de como conciliar confessional com plural).

À leitura do confuso acórdão, o STF não nega o dever de neutralidade do Estado frente às religiões, afirmando que o ensino religioso confessional seria constitucionalmente válido desde que feito de forma pluralista, englobando a religião de todos os alunos que manifestem interesse no ensino religioso facultativo.

Filio-me à corrente que entende que num Estado laico as escolas públicas não devem oferecer ensino religioso de uma ou mais confissões, mas disponibilizar uma disciplina de História das Religiões, expondo todas as principais doutrinas religiosas, suas origens e desenvolvimento históricos. Assim, não se nega a existência do fenômeno religioso (o que seria um absurdo), mas ele é apresentado numa perspectiva histórica e científica, como deve ser num espaço educacional formal. Dogmas religiosos (como, por exemplo, que a Terra é plana e não dá voltas em torno do Sol, que a mulher foi criada a partir da costela de um homem, embora muitas religiões, inclusive cristãs, já não aceitem estes preceitos) devem ser pregados em igrejas, não em escolas públicas. São temas de fé (que merecem ser respeitados, não discuto isso), não de ciência/educação.

Ora, se o Brasil é um Estado laico, tem de aplicar o princípio da neutralidade axiológica frente às religiões, evitando-se com isso relações de aliança ou dependência com quaisquer religiões, conforme preceitua o art. 19, inc. I, da Carta Política.

Note-se que a liberdade de crença e culto só é uma realidade concreta num Estado  laico. Quando o Estado assume uma religião específica, a tendência é discriminar as demais.

Esse assunto sempre me causa perplexidade. E aqui trago o tema que quero tratar. Encontra-se espaço na grade curricular das escolas públicas para o Ensino Religioso e não para a Filosofia, a mãe de todas as disciplinas!

Existem inúmeros estudos que demonstram a importância da Filosofia desde a educação infantil para o desenvolvimento social da criança, despertando nela o pensamento reflexivo. Pela Filosofia, ensina-se a criança a questionar, inclusive a autoridade (passa a dominar os processos de autonomia e heteronomia – acesse aqui estudo dobre o tema)!

Não estou patrocinado, por óbvio, um jihad contra o ensino religioso. Faço a defesa do ensino de Filosofia, ainda que na contramaré, já que, com a reforma do ensino médio em curso, a tendência é a diluição da disciplina no ensino médio, o que enfraquece ainda mais a concepção de que deva ser ministrada desde a educação infantil.

A Filosofia é disciplina que se assenta na razão ilustrada e, assim, estimula uma reflexão embasada nos alicerces da modernidade, discutindo a participação política e a cidadania, ao final desvelando as matizes ideológicas e de dominação presentes no discurso social e na ação estatal. Por isso, a Filosofia sempre foi vista por governos autoritários e pela classe dominante como empecilho à sujeição social e econômica dos dominados.

A escola sem partido, expressão do ultraconservadorismo dominante, é a escola que não tem espaço para a Filosofia

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