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NOTAS SOBRE POLÍTICA E CIDADANIA

O escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus ao receber, em 1957, o Nobel da Literatura, afirmou:

“- Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça”.

Camus desde cedo assumiu uma postura de “revolta”, de não aceitação do “destino”. Nasceu em 7 de novembro de 1913 em Mondovi, província argelina de Constantine. À época, a Argélia era ocupada pela França. Órfão de pai, que morreu lutando na primeira grande guerra, família pobre, não tinha perspectiva de se manter na escola secundária. Ainda assim, Camus não abandonou seus estudos. Sua irresignação lhe rendeu, como visto, um prêmio Nobel.

No ensaio filosófico “O Homem revoltado”, obra datada de 1951, plena guerra fria, Camus ensina que para o homem revoltar-se contra a sua condição de explorado e subjugado deve, num primeiro momento cognitivo, perceber-se igual aos demais. Nem inferior, nem superior.

Essa percepção de igualdade entre os oprimidos traz outra: a de solidariedade. Não se trata mais, a partir daí, de um sofrimento individual. Agora se levanta a identidade entre os oprimidos revoltados. Conclui Camus:

“(…) essa evidência tira o indivíduo de sua solidão. Ela é um território comum que fundamenta o primeiro valor dos homens. Eu me revolto, logo existimos “

Em “O Homem revoltado”, Camus faz duras críticas ao stalinismo, dizendo que enquanto no fascismo havia a exaltação do carrasco pelo próprio carrasco, no totalitarismo stalinista a exaltação do carrasco se dava, dramaticamente, pelas próprias vítimas. Camus não aceitava o fato de os movimentos revolucionários, já no controle do Estado, empregar a violência em nome da eficácia política ou como uma determinação de leis sociais e históricas inexoráveis.

Camus até entendia que o comunismo soviético, em seu “princípio mais profundo”, tinha a pretensão de “libertar todos os homens”, mas denunciava uma grave distorção na execução desse objetivo: para buscar liberar a todos, primeiro escravizava a todos, de modo que “a revolução voltou-se efetivamente contra suas origens revoltadas”.

Com essa posição, o filósofo franco-argelino abriu divergência em relação ao pensamento marxista ortodoxo de então, recusando a natureza cientificista e positivista da superação do capitalismo. Não há uma finalidade prévia na História que possa ser apreendida pela ciência social e que justifique acriticamente ações políticas.

Esse entendimento, naturalmente, permitiu que Camus fosse duramente atacado, inclusive pelo campo político e ideológico em que militava. Afinal, em tempos de guerra fria, um “homem de esquerda” tinha de se alinhar “automaticamente” ao bloco soviético e aos desígnios de uma história desenhada antes do seu próprio desenrolar.

O humanismo de Camus, no entanto, não detrata a revolta. Ao contrário, deseja a revolta, mas a revolta libertária, uma revolta em que o revoltado, para combater o mal, ainda que assumindo o atributo de inocente, não deve renunciar ao bem, porque assim fazendo acaba por reforçar a barbárie, arruinando a sua inocência.

Na formação social e econômica capitalista, inegavelmente há uma fratura constitutiva, a separação das pessoas em estamentos, num formato piramidal, cuja base é composta por deserdados, situação que tem se agravado, basta olhar os dados de concentração de renda. No espaço da política, os valores democráticos sofrem corrosão. Além disso, o meio ambiente é devastado pelo uso insustentável dos recursos naturais. As mudanças climáticas estão ai batendo à nossa porta, ameaçando a sobrevivência da humanidade.

O peso da realidade reclama uma atitude, um “revoltar-se”, retirando os demais da apatia, rompendo a solidão do individualismo para “existirmos” com uma identidade comum, solidária.

Parafraseando Camus, talvez a tarefa posta agora para aqueles que se preocupam com o futuro da humanidade, diante da crise que se aprofunda, não seja reformar o mundo, mas impedir a sua destruição.

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