
Fui convidado pela Celene Terra para falar, hoje à tarde (11MAI), em encontro de mães, na sede local do PT, sobre a reforma previdenciária proposta pelo Bolsonaro e como ela prejudicará as mulheres. Para atender ao chamamento, rabisquei este post, que serviu como guia para a minha manfestação.
Também palestrou no evendo a colega advogada Marina Calegaro, de Santa Maria. ABordou aobre empoderamento das mulheres e aspectos históricos das conquistas feministas, como por exemplo o direito ao voto.
Na minha vez, disse para as mães presentes – e alguns marmanjos – que a reforma previdenciária proposta por Bolsonaro trará prejuízos para todos, mas as mulheres serão as mais prejudicadas caso as mudanças previstas sejam referendadas pelo Congresso Nacional. É uma reforma contra o povo, mas, sobretudo, contra as mulheres!
À análise da PEC 06/2019 (clique aqui para ler o teor e aqui para acompanhar a tramitação), que contém a reforma da Previdência, é fácil concluir que sua implantação irá aprofundar as desigualdades de gênero que ainda persistem no mercado de trabalho e nas relações familiares. As mulheres pós-reforma, ao final da vida laboral, serão menos protegidas.
A modificação da idade mínima talvez seja o aspecto mais danoso para as mulheres. A reforma prevê que ela subirá de 60 para 62 anos para trabalhadoras urbanas e de 55 para 60 anos pra trabalhadoras rurais. Para os homens, serão mantidas as idades mínimas atuais: 65 anos (urbano) e 60 (rural).
Pelas regras em vigor, é possível se aposentar por três modalidades: por idade mínima, por tempo de contribuição com fator previdenciário ou por uma combinação dos dois requisitos (fórmula 85/95, progressiva por pontuação, sem fator previdenciário). No entanto, caso aprovada a reforma, somente haverá a aposentadoria por idade, salvo nos casos que se aplicam as regras de transição (para que já está no sistema).
Além de majorar o critério de idade, a reforma de Bolsonaro disciplina o aumento do tempo mínimo de contribuição, que passa de 15 para 20 anos para todos (mulheres e homens, tanto na área urbana quanto na rural). Pior de tudo: para ter direito a aposentadoria com vencimentos integrais, será preciso contribuir por 40 anos!
Desse modo, nossas mães, esposas, filhas e avós terão de trabalhar e contribuir, no mínimo, dois anos a mais, se for do setor urbano, e cinco anos a mais, se for do setor rural. E a redução de seus direitos previdenciários não se concentra somente na elevação da idade mínima, havendo efeitos deletérios pela combinação do aumento do tempo mínimo de contribuição e do tempo necessário de contribuição para receber uma aposentadoria com proventos integrais (40 anos)!
Dizendo de outra maneira, não vai bastar à mulher ter a idade mínima, ela ainda será sacrificada pela necessidade de no mínimo 20 anos de contribuição. E para receber um provento minimamente digno, terá de contribuir por 40 anos, o que é uma quase impossibilidade para a mulher diante da realidade social e do mercado de trabalho.
As mulheres pensionistas também sofrerão consequências drásticas. A reforma prevê a redução dos valores das pensões (a viúva ficará com 60% do benefício e o restante será distribuído em cotas de 10% por filho menor de 21 anos, até o limite de 100%), e cria obstáculos ao seu acesso, restringindo o acúmulo de benefícios (a reforma também acaba com a possibilidade do acúmulo integral de pensão e aposentadoria, impondo-se uma limitação em até dois salários mínimos do benefício adicional.). Um dado relevante: segundo o DIESE, 83,7% do total de dependentes da pensão por morte são mulheres.
Por fim, a reforma também almeja fragilizar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago aos idosos de baixa renda, dentre outros. Ocorre que grande parte dos beneficiários são mulheres.
Claramente a reforma previdenciária pretendida pelo atual governo ignora a realidade social e econômica da mulher. Desconhece que as mulheres mesmo antes da reforma recebem aposentadorias mais baixas – se comparadas aos homens – porque contribuem por menos tempo e com valores mais baixos.
As mulheres contribuem com menos e em tempo reduzido por conta de sua menor participação na atividade e no resultado econômico. Pela cultura patriarcal dominante, as mulheres tem a responsabilidade de cuidar da casa e da família, o que traz prejuízos profissionais. E no mercado de trabalho, ganham menos quando fazem a mesma atividade do homem, encontram dificuldades para acessar profissões com melhor remuneração, além de serem submetidas a maior rotatividade e informalidade.
Segundo apurou o DIESSE, em 2017, 62,8% das mulheres se aposentaram por idade. O resultado revela a dificuldade das mulheres em conseguir acumular tempo de contribuição. Como, então, cumprir o requisito de 40 anos?
Mas tudo poderá ficar muito pior com a segunda fase da reforma previdenciária, com a privatização sistema mediante a introdução do regime de capitalização em substituição ao de repartição (no qual os trabalhadores na ativa bancam as aposentadorias de quem já está na inativa). No regime de capitalização, não haverá mais contribuição patronal, só os trabalhadores contribuirão – e o valor da aposentadoria dependerá da poupança individual obtida, garantindo-se tão sommente um básico, desde que criado um fundo solidário. Com menores salários, maior rotatividade e menor tempo de contribuição, as mulheres serão terrivelmente prejudicadas.
Diante das mazelas, da restrição de direitos previdenciários e da redução da proteção à mulher, surge a indagação: é necessária a reforma previdenciária nestes termos?
O governo traz o argumento do déficit previdenciário, que se gasta mais com os benefícios previdenciários do que se arrecada. Mas a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) diz que não!
Ocorre que não se pode olhar só para a rubrica “previdência” para mediar o déficit. Pela Constituição, o correto é comparar receitas e despesas de toda a Seguridade Social, que inclui ainda Saúde e Assistência Social.
Com efeito, os arts. 194 e 195 da CF criaram o Sistema de Seguridade Social dentro do qual estão todos os benefícios previdenciários, os benefícios sociais e o amparo à saúde (SUS). Esse sistema é denominado tripé da proteção social, que compreende Saúde, Previdência Social e Assistência Social.
Em 2016, o saldo da conta, ainda que considerada a receita do tripé, ficou negativo em razão da crise. Mas nos outros anos, o saldo foi positivo.
Claro que o país tem da sair da crise econômica que se encontra para que o atual modelo seja equilibrado. E isso se faz gerando empregos e agregando contribuintes, tudo que o governo Bolsonaro não se propõe fazer.
Nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o déficit da Previdência foi equacionado com a inclusão de 22 milhões de trabalhadores no mercado de trabalho. Com o aumento da formalização, de 2008 para 2014, houve acréscimo de 54,61% nas receitas da seguridade social.
O Brasil gasta com juros (orçamento da União) aproximadamente 500 bilhões de reais, que corresponde a 8,5% do PIB. Quem são os beneficiários: cerca de 75 mil rentistas!
Já as despesas com a Previdência (no caso, com o regime geral) no mesmo período foram 430 bilhões de reais, beneficiando diretamente mais de 27 milhões de pessoas e indiretamente quase 40 milhões.
Esses dados demonstram que a previdência social pública cumpre importante papel social, que será reduzido drasticamente com a reforma.
Isso não quer dizer que não se possa fazer uma reforma previdenciária. Mas desde que fosse para, por exemplo, rever desonerações nas contribuições previdenciárias (em 2018, as desonerações foram de R$ 58 bilhões), restringir a desvinculação de receitas da Seguridade (R$ 110 bilhões em 2018), rever o rentismo via orçamento da União, manter o regime de repartição, retirar o trabalhador rural da discussão sobre a mudança da idade mínima para se aposentar, manter a regra 85/95 – que vai subindo ano a ano e que na prática vai estabelecer uma idade mínima (ver nota “1” ao final), manter a diferença de idade entre homem e mulher, e, por fim, manter a aposentadoria especial de professores e outros profissionais, quando não configurar privilégio.
Mas essas medidas não bastam para conciliar direitos e saúde financeira da previdência e de todo o tripé da seguridade social. Como visto acima, é fundamental alterar a política econômica para gerar emprego e recuperar salários, com isso ampliando o número de contribuintes e o volume da arrecadação.
Outra tarefa para resguardar a previdência pública e justa tem relação com o aumento da consciência social, o que se faz com a ampliação do debate e o estímulo ao pensamento crítico. Parcela significativa dos brasileiros e das brasileiras ainda aprovam a reforma da previdência, o que demonstra que desconhecem a realidade social e os prejuízos que irão sofrer.
Todos e todas têm de perceber que a reforma previdenciária, do modo que foi proposta, é um tipo de resposta à crise global do capitalismo. Esta reforma é o reflexo do retorno do receituário neoliberal (Escola de Chicago), exigência dos banqueiros e do grande empresariado (capitalistas), associado ao conservadorismo nos costumes – aqui entra a concepção patriarcal e o fundamentalismo religioso – e ao agronegócio de estilo predador e de capitania. Essa turma quer do trabalhador, especialmente da trabalhadora, sacrifícios para enfrentar a crise, possibilitando que a elite mantenha seus privilégios.
(1) O regime de pontuação progressista prevê o seguinte: até 30/12/2018: 85 para mulheres / 95 para homens; 31/12/2018 a 30/12/2020: 86 para mulheres / 96 para homens; 31/12/2020 a 30/12/2022: 87 para mulheres / 97 para homens; 31/12/2022 a 30/12/2024: 88 para mulheres / 98 para homens; 31/12/2024 a 30/12/2026: 89 para mulheres / 99 para homens. A partir de 31/12/2026: 90 para mulheres / 100 para homens.





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